VERDADEIRA TRANSMISSÃO - A pedagogia do Buda



 
Templos budistas em Bagan, Myanmar.
            “Há um sutra que levou o nome de Yasoja, um monge que era o líder de uma Sangha de cerca de quinhentos monges. Um dia, Yasoja levou todos os quinhentos monges ao Bosque de Jeta onde o Buda vivia, com a esperança de que eles pudessem participar do retiro de três meses com o Buda. Eles chegaram cerca de dez dias antes do início do retiro. Estavam com um ótimo humor, antecipando seu encontro com o Buda e todos os outros monges. Havia muitas conversas. De sua cabana, o Buda ouviu a comoção e perguntou a Ananda: “Que barulho é esse? Parece que são pescadores trazendo à praia uma boa pescaria”. Ananda contou-lhe que o Venerável Yasoja havia chegado com seus quinhentos monges, que cumprimentavam e conversavam com os monges residentes.
            O Buda disse a Ananda que os trouxesse até ele. Quando chegaram, os monges tocaram a terra em frente ao Buda e sentaram-se. O Buda imediatamente falou com eles que eles não poderiam ficar. “Vocês são barulhentos demais. Estão dispensados.” Então os quinhentos monges tocaram a terra e saíram do mosteiro no Bosque de Jeta. Andaram por muitos dias até Vajji, que ficava a leste de Koshala. Quando chegaram à margem do rio Vagamundi, descansaram. Ali começaram a construir pequenas cabanas para o retiro da estação das chuvas.
            Na cerimônia de abertura do retiro, o Venerável Yasoja disse: “O Buda nos dispensou por compaixão. Ele quer que saibamos que espera de nós uma prática profunda e bem-sucedida. O fato de ter nos expulsado é uma expressão do seu profundo amor.” Todos os monges conseguiram perceber isso. Concordaram em praticar muito seriamente durante o retiro da estação chuvosa, para mostrar ao Buda que eram discípulos dignos.
            Os monges praticaram ardorosa, profunda e solidamente, e após apenas três meses de retiro a maioria realizou as Três Iluminações (*): (1) a lembrança de todas as suas vidas passadas; (2) a visão da vida de todos os seres e o conhecimento de como chagaram aqui e para onde irão após a morte e (3) o término das aflições básicas do apego, raiva e ignorância em si próprios.
            Um dia após o retiro da estação chuvosa, o Buda disse a Ananda: “Quando olho na direção do leste percebo uma energia de luz e bondade. E quando me concentro profundamente vejo que os quinhentos monges que dispensei atingiram algo muito profundo”.
            Ananda disse: “Isso é verdade, Senhor, foi isso que eu ouvi. Após terem sido dispensados do Bosque de Jeta, eles foram para o território de Vajji e deram início a uma prática séria, tendo alcançado as Três Realizações”.
            O Buda disse: “Isso é bom. Por que não os convidamos para uma visita?”
            Ao saber que o Buda os havia convidado, os quinhentos monges ficaram felizes de ir visita-lo. Às sete horas da noite chegaram ao Bosque do Jeta, após diversos dias de viagem. Eles viram o Buda sentado em silêncio. Foram informados de que o Buda estava em estado de concentração chamado “imperturbabilidade”. É um estado em que nada consegue perturbar uma pessoa; ali ele permanece livremente e solidamente, e nada pode abalá-la, seja a fama, o apego, o ódio ou até mesmo a esperança.
            Quando os monges perceberam que o Buda estava no estado de samadhi chamado de imperturbabilidade, decidiram acompanha-lo. Assim, eles se sentaram ao chão no Bosque de Jeta como o Buda: de um modo muito belo, muito profundo, muito sólido, penetrando, todos eles, o estado de imperturbabilidade. Permaneceram sentados por um longo tempo.
            Quando o primeiro turno da noite terminou, o Venerável Ananda ajoelhou-se perto do Buda e disse: “Senhor, é muito tarde da noite, por que não dá atenção aos monges?” O Buda não disse nada; ele permaneceu sentado.
            Quando, às duas horas da manhã, o segundo turno da noite passou, Ananda mais uma vez ajoelhou-se perto do Buda e disse: “Senhor, a noite já está avançada. Agora é o final do segundo turno, por favor, dê atenção aos quinhentos monges.” O Buda não respondeu e continuou sentado e todos os monges assim o fizeram também.
            Finalmente, o terceiro turno da noite havia terminado e a manhã começava a aparecer no horizonte. Ananda veio pela terceira vez, ajoelhou-se próximo ao Buda e disse: “Grande mestre, a noite agora terminou, por que não dá atenção aos monges?”
            O Buda abriu os olhos. Olhou para Amanda e disse: “Ananda, você não sabia o que estava acontecendo. Se soubesse, não teria vindo três vezes até mim assim. Eu estava sentado em samadhi com os monges. Não estávamos sendo incomodados por absolutamente nada. Não havia mais nada que pudéssemos ter feito. Não havia necessidade de nada mais, nenhuma necessidade de comunicação, de cumprimentos, de conversa. Isso é a coisa mais bela que pode acontecer professor e alunos: apenas sentar desse modo, cada um absorto profundamente em um estado de paz, solidez e liberdade.”

                      (Extraído de Eu Busco Refúgio na Sangha. Thick Nhat Hanh, Ed. Vozes, pp. 51-55)
            

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