O BUDISMO E A RELIGIÃO DO SÉCULO XXI


         
          
            O cientista social francês Paul Jorion lançou recentemente um livro (Le dernier qui s’en va éteint la lumière, “O último a sair apague a luz”, Fayard, 2016) em que fala do iminente desaparecimento da espécie humana diante da monetarização da vida e da conversão de tudo em  unidade contábeis. Como nesse campo as máquinas já se tornaram muito mais performáticas do que as pessoas, o lugar do ser humano no mundo está seriamente ameaçado, ele adverte. Para redimir essa crise existencial da espécie, ele propõe uma solução espiritual, através de uma religião “ateia”.
            Que um cientista recorra à religião para resolver um problema gerado pelo “progresso” é bastante curioso, mas não deixa de representar uma reação sintomática que identificamos em muitos pensadores de nossa época. Há quem afirme que o século XXI será o século da espiritualidade, em reação ao materialismo do século XX. O grande problema é que, diante do desafio fundamental do Quo Vadis (destino), o homem pós-moderno reage ainda como o homem antigo e padece da mesma ignorância a respeito.
            A equação parece não ter uma solução satisfatória, restando o “ateísmo”, já experimentado e abandonado no passado, como foi o caso do Positivismo. Como o ateísmo se define por aquilo que nega, ou seja, Deus, a teoria de Paul Jorion revela um modo de pensar intrinsicamente ocidental, qual seja, a concepção de nossa origem e destino ligados a uma figura paterna, a do criador do qual tudo emana. Surpreende essa dificuldade de enxergar mais além, como se a existência humana fosse um evento casual na vida do universo e não a resultante de uma longa evolução. Para um ocidental, a evolução material é uma evidência, mas a espiritual é uma interrogação sem resposta, posto que Deus é uma solução assentada em um dogma cuja negação, o ateísmo, é um atalho que leva ao mesmo lugar.
            Se buscarmos do outro lado do mundo, teremos contado com outras matrizes capazes de oferecer uma visão profunda e universal do problema humano, sem deixar de ser ao mesmo tempo prática. No Budismo, por exemplo, a questão da origem e do destino é buscada na própria mente e se resolve na interação do ser com o universo. Se penso e logo existo, não sou assim porque fui criado e sim porque esse é meu lugar na escala dos fenômenos resultantes dos incessantes ciclos de vida e morte que caracterizam a vida universal. Assim como o Hinduismo, do qual herdou a concepção de que a vida é eterna como o próprio universo, o Budismo identifica uma energia vital que perpassa todos os fenômenos físicos e metafísicos e é regida por uma Lei que pode ser identificada na mente. Ou seja, o material e o espiritual, embora diferentes na manifestação, são da mesma natureza. Do mesmo modo que o ser e o universo, a vida e a morte compõem a mesma unidade. A forma física é transitória, está fadada a desaparecer, após cumprido seu ciclo de nascimento, envelhecimento, doença e morte. A essência espiritual permanece, reintegrando-se à vida do universo ao final de cada ciclo e depois retornando sob forma diferente. Mas ambas são manifestações da mesma Lei fundamental que no Budismo Mahayana é chamada de Lei Mística ou lei fundamental de causa e efeito.
            Evidentemente, a Lei Mística não representa um conjunto de preceitos e regras típicas de uma lei. Ela é a expressão figurada da verdade para a qual o Buda se iluminou e quer tornar acessível a todos.  Como é impossível expressá-la com palavras, o Mundialmente Reverenciado valeu-se de uma metáfora.
            Essa metáfora é a flor do lótus, que possui a particularidade de ser a única a exibir ao mesmo tempo a flor (causa) e a semente (efeito). Em todo momento de nossa existência, causa e efeito estão atuando simultaneamente. Uma é inerente à outra. Se concentrarmos nossa mente de modo a compreender e superar as contingências da vida, cultivarmos estados superiores e empreendermos ações que transformem positivamente nosso meio, poderemos atingir a mesma iluminação que o Buda, uma vez que a ignorância e a sabedoria, a natureza humana e a natureza búdica são aspectos de um mesmo fenômeno.
            Não precisamos mudar nossa forma atual para atingirmos a sabedoria suprema, a plenitude espiritual. Não há razão para aspirarmos a um mundo perfeito, localizado em outra dimensão, pois a terra perfeita do Buda é exatamente esta onde estamos. Ao mudarmos a perspectiva interna, mudamos a realidade externa.  É isso que se chama usufruir dos três mil mundos em um único momento de vida: cada momento é um fragmento da eternidade, cada pensamento encerra a energia de todo o universo. Fazer-nos despertar para essa realidade foi o grande trabalho do Buda.
©
Abrão Brito Lacerda
13 06 16


                       

           
           
            

           
           


            

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