FÉ É OURO

Reunião de Palestra do Bloco Sol no Coração, Timóteo, 29.09.19


            Um dos aspectos mais interessantes da escrita de Nichiren Daishonin é o uso que ele faz de imagens, símiles e metáforas, acrescentando força de expressão, poesia e qualidade literária a seus textos, que são de natureza religiosa. Consequentemente, muitos de seus tratados e cartas podem ser lidos pelo leigo, com grande proveito. As metáforas são estabelecidas em paralelo com fatores da natureza, como a água e o fogo, referências a meios de meios de transporte, como carroças e barcos são também comuns, além de ofícios como os do samurai e do pescador.
            É o que encontramos em algumas passagens da Carta aos Irmãos, datada de 1275. Nichiren tomou a decisão de escrevê-la quando soube que o mais velho dos irmãos Ikegami, dois seguidores da região de Kamakura, no Japão, havia sido deserdado pelo pai. O motivo tinha sido a decisão do filho de desacatar a ordem do pai para que abandonasse a prática do budismo Nichiren. Após vinte anos de litígio, os irmãos lograram não apenas reverter a decisão do pai, mas também convertê-lo, lastreados nos conselhos e encorajamentos de Nichiren para que não esmorecessem na prática da fé. 
            Em várias passagens da carta Nichiren enfatiza a importância que as provações têm para sedimentar a fé e prática espirituais. Em uma delas:

   “As imperfeições do ferro tornam-se aparentes quando ele é forjado. Quando uma rocha é submetida ao fogo, ela simplesmente se transforma em cinzas, mas o ouro se torna ainda mais puro.” (CND, vol. 1, p. 493)

            Como o ouro, a fé é purificada pela resistência às condições mais difíceis. E a tristeza e o sofrimento que acompanham as dificuldades devem ser convertidos em alegria quando se compreende que estes representam a oportunidade para se polir e purificar. Uma baixa convicção será pulverizada como a rocha diante das provações, no entanto, uma fé autêntica tende a se tornar ainda mais forte – ou mais pura, como ouro.
            Mais adiante, na mesma carta, encontramos esta outra imagem:

            “Qualquer fraqueza na fé será a causa para o arrependimento. A carroça que capota na estrada é um alerta para quem vem atrás.”

            Para bom entendedor, meia palavra basta, diz o ditado. Ao encontrar uma carroça tombada, desperta-se o alerta em relação aos riscos da viagem. Trata-se aqui de uma advertência para com os riscos de se desistir antes do fim da viagem, com o fracasso de outros servindo como exemplo.
            Outra passagem-chave desse escrito é a que trata dos termos da devoção filial, citando como exemplo o Buda Shakyamuni:

  “Quando Aquele que Assim chega Shakyamuni era príncipe, seu pai, o rei Shudodana, não podia suportar a ideia de perder seu único herdeiro e, por essa razão, não permitiu que o príncipe renunciasse ao trono. O rei manteve dois mil soldados em guarda nos quatro portões do palácio para evitar que o príncipe partisse. Contudo, o príncipe acabou deixando o palácio contra a vontade do pai. Em todos os assuntos seculares, é dever dos filhos obedecer aos pais. No entanto, no caminho para o estado de buda, a desobediência aos pais indica, em essência, a devoção filial.”

Não se pode seguir dois caminhos ao mesmo tempo, em dado momento é preciso escolher. O caminho espiritual que buscava o príncipe Shakyamuni só seria encontrado fora do palácio. Após atingir a iluminação, o Buda retornou à casa dos pais e se reconciliou com os mesmos, convertendo-os. O  que ocorreria também com os irmãos Ikegami e seu pai samurai, muito tempo após esta carta.

©
Abrão Brito Lacerda
01/10/19



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