BUDISMO MAHAYANA

  


            O Budismo é tradicionalmente dividido em duas grandes linhagens: a Hanayana (pequeno veículo) e a Mahayana (grande veículo). Frutos de um mesmo epistema e de desenvolvimentos históricos diferentes, estas duas vertentes deram origem a muitas escolas, que se formaram na medida em que a mensagem do Buda se expandia, atravessava fronteiras e entrava em contato com outros povos e culturas. 

            O budismo hanayana compreende as escolas formadas a partir da sanga ou comunidade de monges que acompanhava o Buda ou praticava diretamente em contato com ele. Está, por essa razão, mais diretamente ligado à disciplina das ordens monásticas e à prática baseada em vários caminhos de sucessivos aperfeiçoamentos (caminho óctuplo, seis paramitas, etc.). O budismo Mahayana, por sua vez, originou-se da comunidade de praticantes leigos, sem relação com as ordens monásticas e em reação a essas. Através dele, as pessoas comuns, sem qualquer preparação prévia, puderam se tornar legítimos discípulos e ter acesso ao imenso manancial de sabedoria deixado pelo Buda. E ainda que as escolas mahayanas também tenham adotado práticas monásticas e hierárquicas (como era natural no passado), o espírito dos Bodisatvas da terra (pessoas comuns a quem o Buda confiou a continuidade de sua obra) sempre se manteve vivo.

            Importante ressaltar que os Sutras ou coletânea dos ensinamentos do Buda se formaram no interior dessas duas linhagens e ao longo de largo período histórico. Não tendo o Buda deixado nenhum registro escrito dos seus ensinamentos, esses foram transmitidos oralmente, durante séculos, até começarem a ganhar a forma de registros escritos, o que só começou a ocorrer cerca de quinhentos anos após a morte do Buda. E muitos sutras se desenvolveram igualmente durante séculos até ganharem a forma como são atualmente conhecidos.

            Um dos textos mais consagrados da escola Mahayana é o Sutra do Lótus, que reúne alguns dos últimos ensinamentos do Buda. Nesse texto o Buda comunica duas coisas fundamentais. Primeiramente, muda a visão de sua iluminação, rechaçando a narrativa histórica dos primeiros sutras: ao invés de ter atingido a iluminação enquanto meditava debaixo de uma figueira, ele, na verdade, é depositário de um elo que provem do passado sem início e que milhares de budas o antecederam. E assim cumpre o seu voto de “tornar todas as pessoas iguais a ele, sem nenhuma distinção” ao ensinar que todos, sem distinção, estão imbuídos da mesma natureza búdica, que emana do princípio sem início. Em outras palavras, a chave da iluminação está em nós mesmos.

            Uma grande transformação se dá em relação aos primeiros textos coletados, que previam sucessivas etapas de aperfeiçoamento (causas) até se atingir a iluminação ou estado de buda (efeito).

            Essa verdade, aparentemente tão simples, é no entanto extremamente profunda e mesmo difícil de aceitar, como o Buda, aliás, já previa. Significa assumir a responsabilidade pela própria libertação, tornando-se ao mesmo tempo sujeito e objeto, sem perder tempo com lamentação ou transferência a alguma potência externa no que concerne a própria iluminação. É como se o Buda nos dissesse: estes são meus ensinamentos, eles dizem respeito a você diretamente, sem intermediários.

            Quem se sentir inclinado a seguir o caminho do Buda tem seu lugar no grande veículo, independentemente de sua condição atual.

            Nas palavras do notável erudito japonês, D. T. Suzuki, autor de Ensaios sobre Zen Budismo:

            “O budismo tardio pode ter perdido um pouco de sua austeridade, circunspecção e até mesmo santidade, as quais exercem um forte apelo em nossa imaginação religiosa, mas ganhou em democracia, diversidade e, sobretudo, em humanidade.” (D. T. Suzuki, Essays in Zen Buddhism, Sidney, 1980, p. 76)

            A possibilidade de encontrar o próprio lugar em um movimento tão forte constitui um grande alento para as pessoas de qualquer época. Essa constatação por si só evidencia a capacidade que possui o budismo de transformar-se e adaptar-se a diferentes contextos humanos e geográficos e renovar-se através de um perpétuo desenvolvimento histórico. Integrante, amplo e agregador, o budismo oferece respostas claras a um mundo confuso em matérias espirituais, onde muitos ainda dependem de curandeiros e profetas tanto quanto seus antepassados das cavernas.

 

©

Abrão Brito Lacerda

           

           

Comentários

Postagens mais visitadas

Translate